Há alguns dias Roberto Alvim, até a sexta-feira, dia 17 de janeiro, secretário de Cultura do governo federal, fez um pronunciamento para anunciar o Prêmio Nacional de Artes. Além do discurso com referências nazistas, outro item chamou a atenção da imagem divulgada naquele dia. No cenário, com a bandeira do Brasil, quadro de Bolsonaro ao fundo, tinha uma cruz (de quatro braços). É familiar?
Pois se tratava de uma Cruz Missioneira.
Mas, diferentemente do que costumamos chamar, não se trata de uma cruz de Lorena. O professor especialista em arte sacra Jesuítica-Guarani, Edison Hüttner, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre, explica que a origem da Cruz Missioneira remonta a Jerusalém, quando Santa Helena (250-330), mãe do Imperador Constantino foi até a cidade onde encontrou o Santo Sepulcro e a cruz de madeira onde Jesus foi crucificado. Ela manda uma parte para Constantino e
“Os cinco pedaços da cruz que ficaram com Helena numa caixa, milagrosamente se uniram e se transformaram numa cruz de dois braços”, explica. Helena presenteou Marciano, primeiro bispo de Jerusalém com a cruz, que permaneceu na Basílica do Santo Sepulcro.
“Ao longo da história, no período das cruzadas a Vera Cruz desapareceu várias vezes”, diz estudo de Huttner, e ressurgiu em 1232, em Caravaca, na Espanha “carregada por dois anjos”. Na época, a região da Múrcia era dominada por Muçulmanos. “O sultão que governava o local, mandou procurar na cadeia um sacerdote – pois queria saber como era este tal de ritual (missa). No dia marcado o rito na presença do governador, o sacerdote prepara o altar. Coloca a bíblia, o cálice,uma vela… Mas, notando que faltava uma cruz no altar, não quis celebrar. Milagrosamente entra por uma janela (redonda) uma cruz de ouro, carregada por dois anjos. Eram os anjos que vieram de Jerusalém.”
Em 1244 os muçulmanos são expulsos de Caravaca. O novo rei (Fernando III), então a cidade os Templários, para que protegessem os lugares sagrados e relíquias. Que permaneceu assim até 1334, quando os templários saíram do local. Em 1934, a cruz foi roubada por ocasião da Guerra Civil. Um lenho (parte da cruz de Cristo) está no Vaticano.
Voltando a Alvim, a cruz que está na mesa é uma réplica da Missioneira. Entramos em contato com a Assessoria de Imprensa da Secretaria para saber a origem da cruz na Capital Federal, porém, não tivemos retorno.
Como a Cruz veio parar no Brasil?
Por intermédio dos Jesuítas. Conforme estudo do professor, em 1567, eles fundaram uma casa em Caravaca e ali iniciaram a devoção da Cruz (de Caravaca). Os jesuítas levaram esta devoção para todas suas missões, na Ásia, Índias e América. “Na época das reduções (1609-1767) os Jesuítas propagavam a devoção da Cruz de Caravaca, da sua imagem. Representando aquela relíquia poderosa que guardava lignum crucis (pedaço da cruz de Cristo) descoberto por Santa Helena”, explica Huttner.
Por que a Cruz de Caravaca se tornou Cruz Missioneira?
Quando os Jesuítas foram expulsos, havia a crença de que a devoção não foi mais continuada. Porém, “uma Cruz de Caravaca foi identificada em cemitério de Santo Ângelo, o que indica, na verdade, que havia sim uma crença em Santo Ângelo. Esta cruz é tida como esculpida pelos próprios jesuítas”, detalha.
De Santo Ângelo, nos anos 30, a cruz é transferida para São Miguel. “com a intenção de ressaltar o lado religioso do espaço”. É nesse momento que a cruz é “coroada com a devoção ao nome de Cruz Missioneira – porque estava na região missioneira.”
Ainda, segundo o professor, a Cruz Missioneira representa a tradição da lenda da de Caravaca, junto com seus anjos. “Representa a tradição e história dos jesuítas e devoção misssioneira”.
Qual a diferença da Cruz de Lorena e da Cruz de Caravaca?
Segundo o pesquisador, a primeira é a origem. A Cruz de Lorena surge na França, durante a Idade Média. A Cruz de Caravaca na Espanha, em 1232, “remonta ao tempo de Jerusalém”, reforça Huttner.
“Outra diferença entre as duas é que a Cruz de Lorena tem baços retos, sem anjos; a Cruz Missioneira tem os braços com arte hispano mourisca. Arte espanhola e muçulmana, com dois anjos que representam sua lenda”, afirma.
A similaridade fica nas duas serem patriarcais (poder Papal), terem quatro braços e serem idealizadas na Idade Média, porém em locais e com história diferente.